domingo, 17 de maio de 2009

uma pequena vitória


Achei uma libra no chão do buteco. Peguei disfarçadamente. Me dispensaram cedo nesse dia, eram só três da tarde. Lembrei do Gui falando: tu deve tá jogando street pra caralho. Não tive dúvidas, munido do meu pound achado, iria tentar a sorte na máquina.
Descendo a Carnaby Street, em Piccadily Circus, no London Trocadero, tem uma máquina de Street Fighter IV. Ela custa uma fortuna, um pound o continue. Chegando lá, vi dois chinas com cabelos chitãozinho e chororó com as pontas tingidas de loiro. Um deles jogava, o outro estava sentado do lado apoiando o amigo. O cara jogava com a Chun-li, e não parecia ser nada demais. Sempre perdia um round pro computador, fazia render a ficha. Ganhou de dois caras que tentaram jogar contra ele, mas eles também me pareceram ruins. Nisso, veio o remorso: porra, essa merda é cara, eu nunca joguei (na verdade, uma vez, mas foi palha, com o akuma, no time attack que eu escolhi sem querer, bêbado), e vou pagar pra tomar uma surra por não saber o timing da máquina.
Foda-se. O cara parecia ser ruim mesmo, e o fantasma do Gui não me saía da cabeça: já tivemos épocas de ganhar de pivetes no Conic, isso seria moleza. Meti a moeda e escolhi o Ken. No Street4 não tem defesa aérea, nem parry, toda vez que eu pulava tomava uma fácil. E toda vez que eu errava o shoryuken o cara pulava junto e me dava um grab aéreo com a Chun-li, o viadinho sabia jogar... perdi o primeiro round pateticamente rápido.
No segundo, comecei com uns hadoukens, nesse jogo rola o mesmo lance que no street3, tem aqueles especiais amarelinhos. Apanhei muito de novo, fiquei com só um téco de life. Nisso, o cara foi pro fim da tela e começou a me jogar aqueles hadoukens da Chun-li, que nem chegam do outro lado. O viado tava enchendo o especial. Queria me matar em grande estilo.
Nisso ele mandou o special. Na cagada eu pulei o troço. Como a vadia fica chutando o ar preciosos segundos depois disso, eu pulei, na cara e na coragem, e fiz o que o Ken faz melhor, voadora forte, murrão forte na cara e um shoryuken de fogo pra atiçar a galera. Ganhei o round. Virada sensacional. Gargalhei de alegria, rí forte, feliz no começo, forçado no final. Tinha que fazer valer o momento. O china e o amigo ficaram putos, fecharam a cara.
Começou o terceiro round, o cara me veio com umas combos de Ação Games, me botou no canto, deu um helicóptero amarelinho, fez o diabo. Mas como estava nervoso, tomou umas bandas, um gancho (bruno style pros adeptos). Evidentemente não foi o suficiente, e eu perdi. Ainda tinha meu sorriso do segundo round no rosto (o terceiro foi rapidinho), e saí satisfeito. Meus bróders ficariam orgulhosos.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Montage

Os anos 80 foram uma pérola de criatividade. Juntamente com a publicidade nascia os filmes "sessão da tarde" e com eles o conceito chamado Montage.

Quando um filme de ação era feito, sabiam que em um momento o personagem da trama deveria passar por um momento de crise e superação. É o exato ponto onde as falas são menos importantes do que suas expressões e homens sarados untados em óleo fazendo pose para a câmera.

Em momentos finais com a guerra fria Rocky o melhor lutador dos Estados Unidos da América deveria enfrentar o seu rival, obviamente mau, Drago da União das Repúblicas Socialistas Soviética.

Aqui podemos ver a nítida diferença entre o esforço para o crescer do homem americano, superando seus limites de forma simples, dedicada e ajudando aos oprimidos no processo contra o facilitado trabalho soviético de esteróides e gastos milhonários com equipamentos enquanto sua população passava fome, ao criar a máquina comuna de destruir homenzinhos.


Por ser atraente com seus 50 quilos e dentes separados a uma menina de cabelo ridículo e calça centropeito, Daniel San leva uma sova de gente sarada e caratecas sem honra. Ainda bem que o bom velhinho que morava perto de sua casa o defende e ensina o menino a se tornar um faixa preta no mais veloz treinamento marcial da história da humanidade.


Deixamos para o final o melhor uso da montage do cinema já construído até hoje. Um homem relembra em apenas dois minutos sua vida. Van Damme consegue manter a serenidade, relembrar um momento marcante do seu passado, pensar em vingar seu melhor amigo criado em uma semana e ainda passar um bronzeador enquanto gesticula os braços em seu passo de balé.


Montage: A duas décadas fazendo você acreditar que pode ser tornar o melhor a custa de músicas de fundo.

terça-feira, 5 de maio de 2009

da necessidade da diferença 1.2: Anaximandro, o ilimitado,a verdade, a opinião e a idéia.

Umas das três ou quatro sentenças de Anaximandro que herdamos da doxografia, no estilo absoluto das máximas, do que parece ter sido escrito nas pedras, versa assim:

ex hõn dè he génesís esti tois ousi kaì tèn phthoràn eis tauta gínesthai katà to khréon; didónai gàr autà díken kaì tísin allélois tes adikías katà tèn tou khrónou táxin

Pois donde a geração é para os seres, é para onde também a corrupção se gera segundo o necessário; pois concedem eles mesmos justiça e deferência uns aos outros pela injustiça, segundo a ordenação do tempo

Partindo dessas três linhas poderia me arriscar a dialogar com nosso caro colega luso-goiano, exilado no além mar. Mas antes, o que diabos essa sentença escrita a mais ou menos 2600 anos, passada a nós através de compilações editadas desde a antiguidade (essa mais especificamente é uma citação de Simplício registrada por Diógenes Laércio) poderia tentar nos dizer? Na minha humilde pretensão de ir adiante, para introduzir minha opinião - ou idéia – gostaria de chamar a atenção para o fato de que a filosofia é devedora dos mistérios, devemos pensar em como a filosofia é também mitosofia. De como os primeiros filósofos – como Anaximandro – eram também hierofantes, poetas e providos de forte carga místico-religiosa; em suma: diletos discípulos de Orfeu.

Assim, como a maioria das reflexões dos primeiros pensadores, o fragmento de Anaximandro é uma questão que se direciona para o princípio das coisas, para a ontologia e a origem de tudo que é. Da onde vêm tudo que está no mundo? Que fonte ilimitada é essa que origina tudo e porque tudo que de lá surge, inexoravelmente, chega ao fim? Como o perecível pode se originar no que não tem fim, tanto no espaço como no tempo? Pois, caso a origem não fosse ilimitada, em dado momento pereceria, “segundo a ordenação do tempo”. Acabaria, despedaçando-se no apetite insaciável do tempo, pois nada que foi, é e será, pode escapar desse deus faminto. E também, mesmo que escapasse da ordem do tempo, que espaço ocuparia? Por qual fronteira infinita, nós, seres limitados, deveriam atravessar para fugir do seu incompreensível diâmetro? Externo ao tempo e ao espaço, absurdamente incompreensível ao que é finito e incompleto. Isso é o que o pensamento do filósofo tenta apreender. A isso deram vários nomes, em sua ânsia de compreender o inalcançável: o Fogo de Heráclito, a Água de Tales e, nesse caso, o Apeíron (ilimitado, indefinido) de Anaximandro.

Essa é a tragédia legada a nós, apontada pelos gregos. O vislumbre e a perda desse momento. Da abertura original donde tudo tem princípio, e que nesse instante de origem, atesta o fim futuro de tudo que é, pois teve também passado e começo. Essa é a tragédia ilustrada pela fábula de Nietzsche; quando o ser encara o abismo que guarda no fundo a unidade de tudo que é, e se dá conta de “quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza” e que “houve eternidades, em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido”. Para esse filósofo, mais do que ilimitada, a unidade-de-tudo-que-é seria na verdade, indeterminada. Só o que não possui propriedades determinadas pode ser o princípio de todas as coisas, do contrário “teria nascido (se determinando), como todas as outras coisas, e teria de ir ao fundo” .

E não é isso que estamos tentando fazer desde que, como seres que existem e tiveram início e deverão ter fim, fazemos desde que saímos de dentro do principio anterior a tudo? Voltar a isso? Buscar a Verdade, pensar na Origem. Por isso filosofamos ainda, numa reverberação do primeiro pensamento que, por sua vez, buscou o seu primeiro pensamento. Não seria então o ato do pensamento que permite tentar salta o abismo, em direção ao momento de presença do Ser? Como sugere Heidegger: seria esse “ente em sua totalidade experimentada pré-conceitualmente” o que advém, no seu momento de desvelamento. A idéia antes do conceito, ou de qualquer outra forma que a define? A idéia que vêm antes de qualquer coisa, qualquer linguagem, qualquer direção. Pois a idéia dentro de nós, no momento que surge, ainda não foi determinada por nenhuma outra. Ao se criá-la, o antes indeterminado é agora encarado; o antes ilimitado conhece suas fronteiras e a verdade-para-sí encontra a multiplicidade de opiniões, jogadas por aí pelos outros seres. O embate a transfigura, seu véu é rasgado e agora podemos conhecer a sua face. Racionalizada, historicizada, laicizada, compreendida e criticada – a idéia proferida se desarticula em opinião, sobre a qual, como disse a deusa a Parmênides, “não há certeza”.