Quando você cria uma
expectativa sobre algo, as chances de você se arrepender são grandes.
Tratando-se de um filme feito para a massa de consumo não poderia ser
diferente. Entrei no cinema pensando nas palavras de Gabriel de Góes: “Já vá
sabendo que o filme será uma merda. Assim, qualquer detalhe interessante valerá
a pena.” A maior pena é que poucas coisas realmente salvam.
O filme é ruim, claro que
seria. Qualquer filme que use atores para representar um personagem de
quadrinhos tem essa chance. O único mérito fica na atuação de Heath Ledger em
Cavaleiro das Trevas, na personificação de Coringa, mas aqui estamos tratando
de um personagem humano, insano, cruel, violento e caótico... Mas mesmo assim
humano. A pergunta que fica é? Mesmo com os recentes quadrinhos, que finalmente
deram uma boa imagem ao deus de capa, conseguiriam fazer um bom filme do Super?
Bom, ainda não.
O começo quase nos faz
acreditar que sim. Somos apresentados a Krypton em seus momentos finais. Cenário
completamente alienígena, animais exóticos, vestimentas bizarras e computadores
tridimensionais (ao invés da porcaria holográfica). Uma sociedade construída em
castas, com uma referência linda a Admirável Mundo Novo, onde por algum motivo
bizarro, um cientista sabe lutar melhor do que soldados (Bom, escolheram o Russell Crowe .. não poderia ser diferente) e então a clássica cena da esperança
encaminhada a Terra e o sacrifício de dois pais. Até aqui, tirando a cena de
luta, tudo tranqüilo.
Ato contínuo, somos
apresentados a Jornada do Herói de Jung a base de todo o filme. Um homem
perdido, sem propósito definido, em busca do seu lar que reside dento de si
(literalmente). Ele é uma lenda, o excesso de controle, um errante e eterno
paria. O que podemos absorver de suas histórias são apenas as lembranças de
seus momentos de desespero e dúvida na infância e adolescência. Aqui o filme
realmente me surpreendeu, o uso de flashbacks são sensacionais, e você começa a
acreditar que fizeram um bom trabalho e que o restante será um desfecho sem
chances de erros, mas Lois Lane tem que aparecer...
Quando você põe os olhos em Lois Lane você já sabe
que o filme perderá totalmente sua convicção e objetividade. A repórter
consegue acompanhar os passos de um deus, encarar -40°C por uma boa matéria,
sobreviver ao ataque de um robô alienígena, manter-se alerta após uma
cauterização, volta para Metrópolis, tenta publicar sua história que é ignorada
e como qualquer jornalista que deseja ganhar o Pullitzer, decide publicar sua
obra em um blog de reputação duvidosa jogando sua carreira no lixo. Como
apenas isso não basta, ela obviamente consegue descobrir a identidade do herói
em uma pesquisa fast-food (esta última parte em uma seqüência de pesquisa que
durou menos de dois minutos em filme). Se não fosse a conversa sobre o motivo
de não se revelar aos humanos, toda essa parte poderia ter sido editada e
tacada fora.
Ah, sim. Estamos falando de
um filme de ação. Então obviamente os alienígenas chegam a Terra. Como são
militares seus objetivos são simplistas e objetivos, eles acessam a mídia de
todo o planeta e exigem que entreguem seu Kryptoniano, ou destruirão o mundo
que o recebeu. Também, como todo filme de alienígenas invadindo o planeta,
todos eles conseguem se comunicar em todos os idiomas graças a algum misterioso
mecanismo que ninguém comenta a respeito, mas que é tão obvio que não precisa
ser dito. Eis então o momento do Ventre da Baleia, o jovem Clark decide se
entregar a humanidade após avaliar os prós e contra (aqui abro um parêntese
interessante, a conversa com o Padre com a imagem de Jesus em seu manto
vermelho de fundo e a confirmação da idade de Clark Kent em seus 33 anos foi
muito boa), desde que, os militares libertem Lois Lane (como diabos ele sabia
que ela estava com eles, é um mistério também) e então juntos conversam sobre
confiança e dever, antes de serem entregues ao General Zord (o porque ele quis
a repórter é outro mistério).
Então o filme vira um
besteirol de ficção científica de pior qualidade, com direito a personagem
humana que aprende a usar maquinários alienígenas, soldados que não acertam
ninguém (mesmo sendo mais rápidos, mais fortes, melhor treinados e
geneticamente projetados para tal). A heroína liberta o herói, o herói salva a
heroína, vemos o amor de mãe e filho, bla, bla, bla... e então finalmente
porrada entre os deuses, com mortais como figurantes. Aqui temos que engolir um
homem com poderes recém evoluídos, sem muito treino, lutando quase que de igual
para igual com militares muito bem treinados e tudo isso para deixar claro que
ele está do nosso lado.
Obviamente a maior cidade do
planeta não pode ser deixada de lado, então Metrópolis torna-se uma das arenas
da destruição final. Armas alienígenas (Independence Day) de gravidade, pessoas
mostrando o quanto são altruístas, planos cooperativos e... Meu Deus,
tentáculos! O filme sofre por 10 minutos de frison de anime e você se encolhe
de vergonha na poltrona tentando entender, por que diabos veio assistir isso? Felizmente,
graças a inspiração do herói e a força da humanidade, TODOS os soldados bem
treinados que conseguiram dar um golpe de estado em seu planeta natal são
enviados para a Zona Fanstasma, deixando para trás um homem sem nenhum propósito,
que ao invés de implorar o seu fim, ou se matar dignamente, decide espancar o último
civil de seu planeta. A luta é legal, bons efeitos, você só precisa ignorar uma
parte essencial dos quadrinhos onde a experiência de Kal-El sobre seus poderes é
muito maior do que a de Zord, mas que se dane! O milico aprende rápido.
Como não existe um modo de prender um vilão tão forte quanto o Superman é obvio que ele tem que morrer. Afinal, se este filme fizer sucesso terá continuação pessoas. Todo mundo viu a logo da Lexcorp e o satélite da Wayne Industries.
Para não dizer que o filme
todo é ruim, as falas entre pai e filho, em sua maioria, são boas. Todas são
intimistas e zelam pela construção de um personagem que se tornará um símbolo. Jonathan
Kent é o melhor ator do filme. Consegue manter o seu filho, que é capaz de
destruir diamantes com as mãos, vulnerável como qualquer criança ao ouvir
verdades. Mais uma vez, filmes de heróis, nos provam que enquanto eles não estão
vestidos de heróis é que são digno de nota. O sacrifício de um pai é o
excelente motivo para se esconder, não revidar quando pode e sofrer por isso é
o valor de uma criação balanceada pelo amor incondicional e medo de perdê-lo
para o mundo.
- Eles te machucaram?
- Você sabe que eles não
podem me ferir.
- Eu sei. Mas você está bem?
Isso valeu a ida ao cinema.
E obviamente, ver um cara voando de capa, trouxe um pouco de alegria a criança
interior. Pena que tirando isso, pouco salva.