terça-feira, 10 de março de 2009

watchmen propriamente dito

Além das inúmeras relações metalinguísticas com o meio das histórias em quadrinhos, que necessariamente ficariam de fora, Watchmen tem uma série de idéias claras sobre moralidade, acaso e super-heróis. Esse último também seria bem típico dos quadrinhos, se não fosse a explosão de adaptações (de novo) desse gênero pro cinema nos últimos anos. Se essas coisas são abordadas no filme, elas são de uma maneira confusa e rasa, e pelo amor de Jah, não foi por falta de tempo.
Quando se lê a hq original, o leitor não fica com a impressão que está lendo um fruto dos anos oitenta, limitado e expandido de acordo com as modas da época. O filme, por outro lado, é detestavelmente configurado pros modismos de hoje. Do visual dos personagens (couro, armaduras escuras) que é tão "anos dois mil" no cinema (e que aliás, chutaria que vai acabar sendo engolido pelo colorido dos heróis de gibi; afinal, eles sempre voltam pras cores brilhantes; vide o filme do homem-de-ferro, divertidíssimo, aliás), passando pela violência exagerada (mais que na hq, com cenas de matança gratúita, como quando a Silk Spectre mete a faca no pescoço de um marginal, ou Rorschack abrindo a cabeça de um cara com um cutelo) sempre no estilo matrix (quebrando paredes com a mão nua, dando chutes que fazem os capangas voarem, e voando também, por que não?).
A prova maior da limitação do filme em relação ao permitido de hoje é o seu exagero na violência e sexualidade (com varias e longas tomadas da bunda nua do coruja, beijo lésbico sensacional) mas que não consegue mostrar um simples cigarro pós-coital. O haxixe fumado o tempo todo nas hqs também sumiu. A homofobia e opiniões "pouco populares" (tipo aprovação da bomba atomica) do Rorschack sumiram, semelhante ao que aconteceu em 300. Não que isso seja A coisa que define tudo, mas é o exemplo da patente aderência do filme às convenções de hoje, e não da obra original. Tipo aquelas adaptações de Shakespeare em que ninguém morre no fim,, ou fazer o Othelo branco, pra preservar as platéias vitorianas de algum mal estar imoral.
Falando em imoral, a grande sacada da hq, que borra as fronteiras entre heróis e vilões, protagonistas e coadjuvantes, é riscada no filme. Não consigo imaginar alguém que saia do cinema pensando "caralho, o Ozzymandias é o mais legal mesmo!", o final é mostrado de forma simplista, não deixando claro que o mundo percebe o desastre como algo completamente alienígena, além das diferênças nacionais. Também pudera, no filme todas as telas mostram apenas a figura do presidente americano, como se ele fosse o suficiente para assegurar a paz mundial (efeito Obama ou clássico americanismo?). Como diabos todo mundo se uniria aos EUA para antagonizar o super-homem americano, o deus americano? Se um desastre feito por um agente sem país fosse o suficiente para unir o mundo, o onze de setembro teria acabado com as guerras, e feito a Russia (que nem é mais a União Soviética) ficar amiguinha dos EUA.
As relações de importância entre os personagens também foram limadas pro padrão Hollywood. Na ânsia de inventar com quem o expectador se identifique, se perde a impressão tão forte que tudo é um efeito do acaso, de micro-relações entre pessoas menores. Mesmo Dr. Manhattan é um fruto do acaso, e mesmo ele é impotente frente aos acontecimentos, uma marionete que pode ver as próprias cordas (aliás, se todo mundo sabe que ele "vê o futuro", por que ele não tá do lado do presidente contado o que vai acontecer? ou sendo usado por apostadores da bolsa, da mega-cena?). O único que consegue dominar seu próprio destino é o Ozzymandias, o único que não é um fruto do acaso. Mas no final do filme, coitado, ainda toma uns sopapos gratuitos e é deixado pra trás sendo olhado com reprovação, como se fosse um mau menino. Não existe o dilema, não fica claro que os personagens mudam de idéia (e quiçá o leitor) sobre o bem e o mal.
No fim das contas, esses padrões do que deve ser um super-herói de hoje são fruto, entre outras coisas, da própria hq original do Watchmen! O tom sinistro, os anti-heróis problemáticos, a sexualidade, tudo foi reforçado e previsto nesse gibi. Eu fico de cara com umas das falas finais da Silk Spectre (na hq), quando ela diz algo como "sim quero voltar a ser uma vigilante; usar uma arma, quem sabe um uniforme de couro".

Um comentário:

  1. passamos uma grande parte da noite (e temo acreditar que iremos passar mais dias após baixar/comprar a versão pirata) discutindo sobre esse filme.

    não vou discordar de pontos tão bem levantados sobre a personalidade, roupas, atitudes e os "lapsos morais" dos personagens publicados em tela.

    alguns blogs estão chamando pessoas como nós de xiitas dos quadrinhos. não me incomodo nem um pouco com o termo. li essa história sozinho, discuti com pessoas que admiro e amo e sempre fui descobrindo novos pontos a cada análise tranquila e sem pressa para lançamentos e um público burro.

    que se dane o filme, ele é uma merda e conseguiu faturar o ingresso do "pagar para ver".

    Vini Viti Caguei

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